Nas eleições de 2020, o médico José Bandeira se candidatou pelo PTB, e foi eleito vereador com 406 votos, porem conforme a denúncia feita pelo Ministério Público eleitoral, restou provado que o vereador, foi demitido do serviço público em decorrência de processo administrativo em 31.01.2020; portanto, era inelegível ao tempo do seu registro de candidatura, consoante disposto no art. 1°, inciso I, alínea “o” da Lei Complementar n° 64/1990; contudo, omitiu tal informação à Justiça Eleitoral, fraudando assim seu o registro.
O ato fraudulento produziu efeito de permitir ao vereador que concorresse no certame de 2020, sem ter preenchido todas as condições legais, ferindo com isso a normalidade do certame e a própria paridade de armas com os demais concorrentes, sendo ato suficiente para autorizar o julgamento de procedência da ação de impugnação de mandato eletivo.
Desta forma em um julgamento realizado no ultimo dia 20 de abril de 2021 os desembargadores concluíram por unanimidade que o médico teria cometido fraude no registro de sua candidatura e votaram pela cassação de seu mandato.
Em sua decisão os membros do TRE, concluíram que o mandato do vereador deve ser cassado, e apesar de caber recurso provavelmente ele será substituído pelo vereador mais votado dentre as chapas que concorreram ao pleito de 2020.
Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, para efeito de cassar o diploma e, consequentemente, o mandato de vereador de José de Almeida Bandeira, pelo município de Tangará da Serra/MT, referente às eleições de 2020.
Segue abaixo a integra do acordão 28527 do dia 20/04/2021:
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO
ACÓRDÃO N° 28527
RECURSO ELEITORAL (11548) – 0600914-45.2020.6.11.0019 – Tangará da Serra – MATO GROSSO
Cargo – Vereador
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RECORRIDO: JOSÉ DE ALMEIDA BANDEIRA
FISCAL DA LEI: Procuradoria Regional Eleitoral
RELATOR: DESEMBARGADOR SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELEITO. CARGO DE VEREADOR. FRAUDE NO REGISTRO DE CANDIDATURA. CANDIDATO DEMITIDO DO SERVIÇO PÚBLICO POR DECISÃO ADMINISTRATIVA. INELEGIBILIDADE CONTIDA NO ART. 1°, INCISO I, ALÍNEA “O” DA LEI COMPLEMENTAR N° 64/1990. APRESENTAÇÃO DE INFORMAÇÃO FALSA EM REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. INTUITO DE OBSTAR A AFERIÇÃO DO REQUISITO DE AUSÊNCIA DE INELEGIBILIDADE. FRAUDE CARACTERIZADA. RECURSO PROVIDO PARA CASSAR O DIPLOMA E O MANDATO REFERENTE AO CARGO DE VEREADOR DO MUNICÍPIO DE TANGARÁ DA SERRA, NAS ELEIÇÕES 2020.
1. Consoante entendimento consolidado Tribunal Superior Eleitoral, a fraude que justifica o cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição da República) possui conceito aberto, englobando situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas, sendo a AIME via adequada para apuração de fraude ocorrida quando do pedido de registro de candidatura.
2. No presente caso, a omissão do candidato quanto a sua demissão do serviço público em decorrência de processo administrativo no requerimento de registro de candidatura nas eleições 2020, informando-se que estava apto concorrer ao cargo de vereador, desvela conduta que pretende induzir em erro o Poder Judiciário quanto ao status jurídico do recorrido. Quem assim age, pratica fraude no requerimento de registro de candidatura.
3. Recurso provido para reconhecer a prática de fraude no requerimento de registro de candidatura de José de Almeida Bandeira e julgar procedente a ação de impugnação de mandato eletivo.
ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, para efeito de cassar o diploma e, consequentemente, o mandato de vereador de José de Almeida Bandeira, pelo município de Tangará da Serra/MT, referente às eleições de 2020.
Cuiabá, 20.04.2021.
DESEMBARGADOR SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS
Relator
RELATÓRIO
DESEMBARGADOR SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS (Relator):
Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo Ministério Público Eleitoral, (ID 99844972), contra a sentença do Juízo da 19ª Zona Eleitoral (Tangará da Serra/MT), que julgou improcedente a ação de impugnação de mandado eletivo proposta pelo recorrente, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC (r. sentença ID 9984672).
Irresignada com o decisum, o douto Promotor de Justiça aduz em suas razões, que o recorrido José de Almeida Bandeira, candidato eleito, praticou fraude quando do registro de candidatura, uma vez que omitiu a informação da sua demissão do serviço público municipal, o qual o tornou inelegível pelo prazo de 8 (oito) anos, decisão esta proferida em 31.01.2020.
Argumenta que o recorrido afirmou “não haver informações complementares, bem como declarou, para os devidos fins, que as informações apresentadas à Justiça Eleitoral eram verdadeiras (ID 62981578 – Pág. 16), ocultando, porém, uma singela informação complementar: a de que havia sido demitido do serviço público por decisão administrativa” (sic).
Alega o recorrente que, somente em 19 de novembro de 2020, por meio de uma notícia feita à Ouvidoria do órgão, teve o conhecimento que o recorrido era inelegível.
Assevera que diferentemente da posição externada na sentença, o colendo Tribunal Superior Eleitoral possui entendimento que a fraude pode ser reconhecida no processo de registro de candidatura, pelas vias da ação de impugnação de mandato eletivo.
Por fim, o Ministério Público Eleitoral requer seja conhecido e provido o presente recurso, reformando-se a r. sentença de ID 9984672, para serem julgados procedentes os pedidos expostos na petição inicial.
Nas contrarrazões de ID 9985122, o recorrido requereu fosse julgada totalmente improcedente o recurso, em face da inadequação da via processual eleita ao caso concreto.
Por sua vez, a douta Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso para que seja reformada a r. sentença do juízo a quo, por consequência, julgada procedente a presente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, de modo que seja reconhecida a inelegibilidade do recorrido e cassado seu diploma de vereador, (ID 11197872).
É o relatório.
VOTO
DESEMBARGADOR SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS (Relator):
II – FUNDAMENTAÇÃO
Eminentes pares, o recurso é próprio, tempestivo, foi interposto por parte legítima e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais deles conheço.
Com efeito, conforme relatado, José de Almeida Bandeira foi eleito vereador pelo município de Tangará da Serra. nas Eleições 2020; todavia, após o pleito, o Ministério Público foi informado que o recorrido tinha sido exonerado do serviço público, dando assim, azo à interposição da ação de impugnação de mandado eletivo.
O i. Juiz Eleitoral julgou improcedente o pedido, por entender que a inelegibilidade do candidato diplomado não enseja a impugnação do mandato, prevista no art. 14, § 10 da CR/1988, havendo de ser arguida, sob pena de preclusão, por meio de impugnação ao pedido de registro de candidatura ou de recurso contra a diplomação.
Vê-se então que, o nó górdio da questão, é saber se a fraude ocorrida quando do registro da candidatura pode ser perquirida em ação de impugnação de mandado eletivo.
Pois bem, por meio do Processo Administrativo Disciplinar Sumário n° 001/PADSUM/2019, constatou-se o acúmulo ilegal de cargos públicos por parte do recorrido, o que resultou na Decisão n° 001/GP/2020, datada de 31.01.2020, que lhe aplicou a sanção de demissão (ID 9982172).
Afere-se no Relatório Final do Processo Administrativo Disciplinar Sumário, que o recorrido acumulava 4 (quatro) cargos públicos de médico, sendo 2 (dois) no município de Tangará da Serra/MT e 2 (dois) no município de Nova Olímpia/MT, totalizando, ao final, 100 (cem) horas semanais.
Em face disso, o recorrido, ao tempo do seu registro de candidatura sabia que era inelegível, por força do art. 1°, inciso I, alínea “o”, da Lei Complementar n° 64/1990:
Art. 1° São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
(…).
o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário; (Incluído pela Lei Complementar n° 135, de 2010) (destaquei)
Registra-se que não há nos autos notícias dando conta que a mencionada decisão administrativa tenha sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário; logo, persiste a causa de inelegibilidade do recorrido.
O passo seguinte é saber se a fraude operada quando do registro de candidatura, pode ser debatida na ação de impugnação de mandato eletivo.
Realmente, conforme asseverado no decisum a quo, o colendo Tribunal Superior Eleitoral compreendia que a fraude a ser discutida na AIME deveria ter ocorrido na votação ou no escrutínio, contudo, houve uma superação desse entendimento quando se analisou a questão da fraude nas cotas de gênero, oportunidade em que a Tribunal Superior Eleitoral passou a estender o conceito de fraude, para além do exato momento da votação.
Por oportuno, trago o escólio de Edson de Resende Castro a respeito do tema:
Conceito de fraude e propositura de AIME. O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, assentou que se enquadra no conceito de fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição Federal), a violação do percentual de candidaturas exigido no § 3°, art. 10, da Lei 9.504/1997, que dispõe: § 3° Do número de vagas resultante das regras previstas este artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Na hipótese, o juízo da 24ª Zona Eleitoral/PI extinguiu, sem resolução do mérito, ação impugnação de mandato eletivo ajuizada em desfavor de candidatos eleitos ao cargo de vereador, no pleito de 2012, sob a acusação de suposta fraude eleitoral caracterizada pela adulteração de documento e falsificação de assinaturas para o preenchimento do percentual mínimo de candidaturas previsto em lei. Em concordância, o Tribunal Regional Eleitoral manteve a decisão de piso ao argumento de que conceito de fraude, para os fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), é restritivo alcançando somente atos tendentes a afetar a vontade do eleitor. O Ministro Henrique Neves (relator) ressaltou inicialmente que o Tribunal de origem proferiu acórdão em consonância com o posicionamento até então adotado por esta Corte, no sentido de que a fraude que enseja a AIME diz respeito ao processo de votação, nela não se inserindo questões alusivas à inelegibilidade ou a outros vícios passiveis de atingir, de forma fraudulenta, o processo eleitoral. Entretanto, o relator salientou a necessidade de superar esse entendimento, passando-se a interpretar o termo fraude, estampado no art. 14, § 10, da Constituição Federal, de forma ampla, englobar todas as situações de fraude – inclusive a de fraude à lei – que possam afetar a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato obtido. Ressaltou ainda que s AIME deve ser admitida como instrumento processual para preservar a legitimidade e a normalidade das eleições contra toda sorte de abuso, corrupção ou fraude, não cabendo impor limitações ao texto constitucional que não estejam previstas na própria Constituição Federal. Prosseguiu afirmando que a norma constitucional supracitado deve ser considerada com as demais regras e princípios contidos na Lei Maior, de forma a permitir a harmonização das hipóteses de cabimento da AIME com os fins legítimos das eleições que reflitam a vontade popular, livres de influências ilegítimas, tal como consta do § 9° do art. 14 da Constituição Federal. Dessa forma, concluiu que, na espécie, a extinção da ação de impugnação de mandato sem julgamento de mérito, ao fundamento de que a suposta violação do percentual mínimo de candidaturas não se enquadraria no conceito de fraude, deve ser reformada, possibilitando o devido prosseguimento da ação proposta. O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, determinando o retorno dos autos ao TRE do Piauí para, afastando o argumento de inviabilidade da via eleita, permitir que a ação de impugnação de mandato eletivo siga seu curso normal e legal, nos termos do voto do relator. (Recurso Especial Eleitoral n° 149, José Freitas/PI, rel. Min. Henrique Neves da Silva, em 04.08.2015).
Ação de impugnação de mandato eletivo. Art. 14, § 10, da Constituição da República. Candidato. Vereador. Distribuição. Folhetos. Véspera. Eleição. Noticia. Desistência. Candidato adversário. Fraude eleitoral. Configuração. Responsabilidade Potencialidade. Comprovação. (…) Decisão. Tribunal Regional Eleitoral. Não cabimento. Erro grosseiro. Principio da fungibilidade. Não-aplicação. (…). 2. A fraude eleitoral a ser apurada na ação de impugnação de mandato eletivo não se deve restringir àquela sucedida no exato momento da votação ou da apuração dos votos, podendo-se configurar, também, por qualquer artificio ou ardil que induza o eleitora erro, com possibilidade de influenciar sua vontade no momento do voto, favorecendo candidato ou prejudicando seu adversário. Agravo de instrumento provido. Recurso especial conhecido parcialmente, mas improvido. (TSE, Agravo de Instrumento n 4.661, de 15.6.2004, Rel. Min. Fernando Neves). (CASTRO, Edson de Resende. Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. revista e atualizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2018, p. 545 e 546). (sem grifos no original)
Não é diversa a lição de Rodrigo López Zilio:
[…]. A fraude se caracteriza como o ato voluntário que induz outrem em erro, mediante a utilização de meio astucioso ou ardil. Pressupõe que a conduta seja perpetrada com o deliberado propósito de induzir alguém em erro, configurando-se o ilícito quando houver beneficio ou prejuízo indevido a quaisquer dos atores do processo eleitoral (candidato, partido ou coligação). […] A fraude abrange toda e qualquer fase relacionada ao processo eleitoral (inclusive a fase de votação e apuração), desde que tenha como resultado a interferência na manifestação de vontade do eleitorado, com reflexos na apuração de votos. Não importa o momento do processo eleitoral em que ocorreu a fraude, sendo fundamental apurar se o ilícito apresentou reflexos na normalidade ou legitimidade da eleição – justamente porque a consequência do ilícito se sobrepõe ao momento em que o ato foi praticado. […]. Deve-se destacar, ainda, que o TSE evoluiu em seu conceito de fraude eleitoral, passando a admitir também a fraude à lei como apta a ser discutida em AIME. Nesse cenário, após acenar a possibilidade de a fraude na reserva de vaga por sexo ser matéria arguida em AIME – anotando que o “conceito de fraude, para fins de cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo 14, § 10, da Constituição Federal), é aberto e pode englobar todas as situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas, inclusive nos casos de fraude à lei” (REspe n° 1-49/PI-j. 04.08.2015) o TSE decidiu que “a fraude da cota de gênero em eleições proporcionais implica a cassação de todos os candidatos registrados pela legenda ou pela coligação” (REspe n° 19392/PI- j. 17.09.2019). É intuitivo, assim, que o TSE tem acolhido uma ampla concepção de fraude para fins de cabimento de AIME. Assim, a fraude que serve de base para o ajuizamento da ação constitucional eleitoral é tanto a que resulta de todo artificio ou ardil empregado com o objetivo de afetar ou interferir na livre vontade do eleitor como, em igual medida, o ato praticado com o fim deliberado de burlar a legislação eleitoral. Em arremate, assinala-se que a fraude no Direito Eleitoral prescinde da perquirição do elemento subjetivo do infrator, ou seja, é desnecessário demonstrar a deliberada intenção do agente em fraudar o teor da legislação vigente ou em perpetrar o ato fraudulento. (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 7. ed. rev. ampl. E atual. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 677/679). (destaquei)
De igual forma, Marcilio Nunes de Medeiros:
56. Fraude. Historicamente o TSE tem utilizado conceito restritivo de fraude para fins de propositura da ação de impugnação de mandato eletivo, entendendo-a como aquela incidente sobre o processo de votação e apuração dos votos. Fraudes ocorridas antes do período eleitoral, como no alistamento ou nas transferências de inscrições eleitorais, ou mesmo no período eleitoral, como na propaganda eleitoral ou no registro de candidatura, ou ainda relativas à inelegibilidade, estariam fora da incidência da ação de impugnação de mandato eletivo. Recentemente, houve uma guinada no posicionamento do TSE, no sentido de conferir maior abertura ao conceito de fraude para fins de ajuizamento de ação de impugnação de mandato eletivo, reconhecendo-a em casos de fraude à lei e em situações fraudulentas capazes de influenciar a normalidade do pleito. (MEDEIROS, Marcilio Nunes. Legislação eleitoral comentada e anotada. 2. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 77).
Destaco ainda que José Jairo Gomes também defende que o conceito de fraude não se limita ao momento da votação, o que implica a necessidade de dar maior efetividade ao comando constitucional previsto no art. 14, § 10 da CF/88. Senão vejamos:
Equivocadamente, a fraude eleitoral sempre foi relacionada à votação. Por isso, já se entendeu que se ela ocorrer em circunstâncias alheias à votação (como se dá na transferência irregular de eleitores) não é hábil para embasar AIME. Nesse sentido: TSE – RO n° 896/SP – DJ 2-6-2006, p. 99; TSE – ARO n° 888/SP – DJ 25-11-2005, p. 90.
No entanto, a inconsistência dessa interpretação é manifesta, porque o texto constitucional não restringe as hipóteses fundamentadoras da AIME (entre elas, a fraude) à fase do processo eleitoral atinente à votação. De modo que a impugnatória de mandato pode fundar-se em todas as “situações em que a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo são afetadas por ações fraudulentas”. (GOMES, José Jairo. 14. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p. 891/892) (destaquei)
Ao arremate, colaciono os recentes julgados do c. TSE após a mudança de entendimento ocorrida no julgamento do REspe n° 1-49/PI:
ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. FRAUDE. INTERPRETAÇÃO ABERTA. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. FRAUDES EM TRANSFERÊNCIA ELEITORAL. CABIMENTO. RECEBIMENTO DA INICIAL. AGRAVO DESPROVIDO.1. Nos termos do art. 14, § 10, da Constituição Federal, a ocorrência de fraude é fundamento autônomo para o ajuizamento da ação de impugnação de mandato eletivo, ainda que não se alegue corrupção ou abuso do poder econômico. 2. O conceito de fraude deve ser interpretado de forma ampla, não se limitando às questões atinentes ao processo de votação. Nesse sentido, admite-se a alegação de fraude em transferências de eleitores alegadamente aptas a privilegiar candidaturas. Precedente. 3. As alegações de que as transferências eleitorais não foram associadas com o oferecimento de vantagem e de que a situação concreta difere da jurisprudência desta Corte não podem ser acolhidas. Tais argumentos apenas reforçam a necessidade de instrução probatória e o descabimento da extinção prematura do feito. 4. As condições da ação são analisadas conforme a teoria da asserção, ou seja, de acordo com as alegações trazidas pelo autor na petição inicial. Não ocorre reexame do acervo probatório no reconhecimento das condições da ação e recebimento da inicial, pois não existem provas passíveis de serem reexaminadas. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (TSE, Recurso Especial Eleitoral n° 55749, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 16.09.2019). (sem grifos no original)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECEBIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. FRAUDE. DOCUMENTO. TRANSFERÊNCIA ELEITORAL. ART. 14, § 9°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECISÃO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. REJULGAMENTO DA CAUSA. DESPROVIMENTO.
(…).
3. Consoante destacado na decisão ora combatida, a doutrina caracteriza a fraude “como o ato voluntário que induz outrem em erro, mediante a utilização de meio astucioso ou ardil. Pressupõe que a conduta seja perpetrada com o deliberado propósito de induzir alguém em erro, configurando-se o ilícito tanto quando houver benefício como prejuízo indevido a quaisquer dos atores do processo eleitoral (candidato, partido ou coligação); outrossim, que a ação ilícita ‘abrange toda e qualquer fase relacionada ao processo eleitoral (inclusive a fase de votação e apuração), desde que tenha como resultado a interferência na manifestação de vontade do eleitorado, com reflexo na apuração de votos’” (fl. 283).
4. Lado outro, não foi impugnado o óbice consignado na decisão agravada de que o entendimento desta Corte Superior segundo o qual “a possível fraude ocorrida por ocasião da transferência de domicílio eleitoral não enseja a propositura da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AgR-REspe n° 24806/SP, rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, DJe de 24.5.2005)” foi superado, haja vista que, atualmente, o termo “fraude” contido no art. 14, § 10, da CF/88 é interpretado “de forma mais ampla, a englobar todas as situações de fraude que possam afetar a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo, inclusive nos casos de fraude à lei” (fl. 286).
5. A ausência de impugnação específica dos fundamentos do decisum inviabiliza o provimento do agravo regimental. Aplicação da Súmula n° 26/TSE.
6. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (TSE, Recurso Especial Eleitoral n° 99420, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 05.10.2018). (destaquei)
Portanto, analisando os precedentes e os posicionamentos favoráveis à noção mais ampla, a compreensão que se extrai é a de que a caracterização da fraude deve referir-se a atos que tendam a influenciar na formação da vontade do eleitor, (ainda que este ato não tenha sido praticado no exato momento da votação) ou, no máximo, que se volte contra o processo eleitoral em si, qual seja, o processo de escolha dos candidatos.
No caso em comento, o recorrido tinha a ciência de que era inelegível; contudo, ao prestar informações à Justiça Eleitoral, quando do registro de candidatura, preferiu ludibriar o processo eleitoral, ao dizer que estava apto para candidatar-se, concretizando, assim a fraude, que afetou a normalidade das eleições e a legitimidade do mandato eletivo.
A fraude realizada pelo recorrido maculou o processo eleitoral, gerou reflexos na votação, interferindo no resultado do pleito, comprometendo a lisura e a normalidade das eleições, uma vez que falsificou uma informação – dizendo que não possuía impedimentos legais para ser candidato –, que possibilitou a ser candidato, quando não poderia ser, desequilibrando o pleito.
Dessarte, ainda que os fatos alusivos à inelegibilidade do recorrido tenham ocorrido antes do registro de candidatura, ou mesmo no momento do registro, a fraude pode ser arguida e discutida por meio da ação de impugnação de mandato eletivo, como bem explanado no precedente do TSE (REspe n° 1-49/PI/2016); logo, não há falar em preclusão.
Nesse caminhar, é o posicionamento do TSE acerca do tema:
ELEIÇÕES 2018. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA E RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. DEPUTADO ESTADUAL. PRELIMINARES. EXCEÇÃO DE COISA JULGADA EM RAZÃO DO DEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA. QUESTÃO QUE NÃO FOI DEBATIDA NA ORIGEM. INADEQUAÇÃO DE ARGUIÇÃO DA CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE EM RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PREEXISTÊNCIA AO REGISTRO DE CANDIDATURA. IRRELEVÂNCIA. ASSENTO CONSTITUCIONAL DA EXIGÊNCIA DE FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. LITISPENDÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DISTINÇÃO DE CAUSAS DE PEDIR (AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE X FRAUDE) E DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DE CADA DEMANDA. PARECER DA PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL. INEXISTÊNCIA DE EFEITO VINCULATIVO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL. REUNIÃO PARA JULGAMENTO. ART. 96–B DA LEI N° 9.504/1997. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. PREENCHIMENTO DE CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE (RCED) E FRAUDE NO REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA (AIME). FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. POLICIAL MILITAR. POSSE NO CARGO DE VEREADOR EM 02.01.2015. IMEDIATA TRANSFERÊNCIA PARA A INATIVIDADE, NOS TERMOS DO ART. 14, § 8°, INCISO II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORA NA ANOTAÇÃO NOS REGISTROS DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DA BAHIA. IRRELEVÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO DOS EFEITOS DO TEXTO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DA CONDIÇÃO DE INELEGIBILIDADE DA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA (ART. 14, § 3°, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). APRESENTAÇÃO DE INFORMAÇÃO FALSA EM REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. INTUITO DE OBSTAR A AFERIÇÃO DO REQUISITO DE FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. FRAUDE CARACTERIZADA. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA JULGADO PROCEDENTE E RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO PARA CASSAR O DIPLOMA E O MANDATO DE EWERTON CARNEIRO DA COSTA, REFERENTES AO CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL PELO ESTADO DA BAHIA, NAS ELEIÇÕES 2018. 1. O deferimento do registro de candidatura não produz decisão protegida pelos efeitos da coisa julgada que impeça a aferição, em sede de recurso contra expedição de diploma, da ausência de preenchimento de condição de elegibilidade, preexistente ou não ao requerimento de registro, de assento constitucional, como o é a filiação partidária (art. 14, § 3°, inciso V, da Constituição Federal). 2. A interpretação que este Tribunal Superior Eleitoral confere ao art. 262, caput, do Código Eleitoral, é de que é admissível o manejo do recurso contra expedição de diploma com fundamento em ausência de condição de elegibilidade, prevista no texto constitucional, ainda que preexistente ao registro de candidatura. 3. A distinção existente entre as causas de pedir versadas no recurso contra expedição de diploma (ausência de condição de elegibilidade) e na ação de impugnação ao mandato eletivo (fraude no procedimento de registro de candidatura), bem como nas consequências jurídicas de cada demanda, especialmente à luz do art. 1°, inciso I, alínea “d”, da Lei Complementar n° 64/90, afasta a alegação de litispendência. 4. Em razão da convergência da instrução probatória de ambas as demandas para a aferição da existência, ou não, de vínculo de filiação partidária, é possível a unificação de seu processamento e julgamento, nos termos do art. 96–B, da Lei n° 9.504/1997. 5. O militar da ativa que contar com mais de 10 (dez) anos de serviço e lograr êxito nas eleições será imediatamente transferido para a inatividade quando for diplomado, por força da aplicação do art. 14, § 8°, inciso II, da Constituição Federal, sendo irrelevante a mora dos órgãos públicos na averbação em seus registros dessa mudança do estado jurídico do diplomado. 6. A condição constitucional de elegibilidade da filiação partidária (art. 14, § 3°, inciso V, da Constituição Federal) é exigível de todos os militares da reserva, uma vez que a vedação art. 142, inciso V, da Constituição Federal atinge apenas os militares que exercem serviço ativo. 7. A apresentação de informação falsa para dar atendimento a diligência determinada no requerimento de registro de candidatura nas eleições 2018, informando–se a condição de militar da ativa para quem exercia o cargo de vereador desde 02.01.2015, desvela conduta que pretende induzir em erro o Poder Judiciário quanto ao status jurídico do requerente e da sua dispensa do cumprimento de exigência constitucional de filiação partidária. Quem assim age, pratica fraude no requerimento de registro de candidatura. 8. Recurso contra expedição de diploma julgado procedente para se reconhecer a falta da condição de elegibilidade da filiação partidária, impondo–se a cassação do diploma conferido a Ewerton Carneiro da Costa nas eleições de 2018. 9. Recurso ordinário provido para reconhecer a prática de fraude no requerimento de registro de candidatura de Ewerton Carneiro de Souza e julgar procedente a ação de impugnação de mandato eletivo. (TSE, Recurso contra Expedição de Diploma n° 060391619, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Relator(a) designado(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 25.08.2020). (destaquei)
Afere-se, então, que a AIME é instrumento processual hábil para perquirir fraude ocorrida no registro de candidatura, não se falando em preclusão.
Em conclusão, assenta-se que, in casu restou provado que o recorrido José de Almeida Bandeira, foi demitido do serviço público em decorrência de processo administrativo em 31.01.2020; portanto, era inelegível ao tempo do seu registro de candidatura, consoante disposto no art. 1°, inciso I, alínea “o” da Lei Complementar n° 64/1990; contudo, omitiu tal informação à Justiça Eleitoral, fraudando assim seu o registro.
O ato fraudulento produziu efeito de permitir ao recorrido que concorresse no certame de 2020, sem ter preenchido todas as condições legais, ferindo com isso a normalidade do certame e a própria paridade de armas com os demais concorrentes, sendo ato suficiente para autorizar o julgamento de procedência da ação de impugnação de mandato eletivo.
III – DISPOSITIVO
Com essas considerações, em consonância com o parecer ministerial, voto no sentido de julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral e, por consequência, cassar o diploma e, consequentemente o mandato de vereador de José de Almeida Bandeira, pelo município de Tangará da Serra/MT, referente às eleições de 2020, reconhecendo a ocorrência de fraude apta a cassar o mandato eletivo (art. 14, § 10, da Constituição da República).
Consigna-se ainda que, publicado este acórdão, proceda-se à execução imediata da sanção cominada, conforme disposto no art. 257, do Código Eleitoral e art. 223, § 2° da Resolução TSE n° 23.611/2019[1].
Em derradeiro, por força do art. 17 da Resolução TSE n° 23.326/2010, levante-se o sigilo dos autos.
É como voto.
[1] Nesse sentido: “Nas eleições municipais, como é cabível o recurso especial eleitoral contra o acórdão do TRE – no qual é vedado o reexame da matéria fática – a decisão prolatada pela Corte Regional em sede de AIME terá eficácia a partir da publicação do acórdão”. (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 7. ed. rev. ampl. E atual. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 691). (destaquei)
VOTOS
JUIZ SEBASTIÃO MONTEIRO DA COSTA JÚNIOR, JUIZ FÁBIO HENRIQUE RODRIGUES DE MORAES FIORENZA, JUIZ BRUNO D’OLIVEIRA MARQUES, JUIZ JACKSON FRANCISCO COLETA COUTINHO, JUIZ GILBERTO LOPES BUSSIKI, DESEMBARGADOR GILBERTO GIRALDELLI.
Com o relator.
DESEMBARGADOR GILBERTO GIRALDELLI (Presidente):
O Tribunal, por unanimidade, deu provimento ao recurso, julgando procedente a respectiva Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, nos termos do voto do douto relator, em consonância com o parecer ministerial.
EXTRATO DA ATA
RECURSO ELEITORAL (11548) – 0600914-45.2020.6.11.0019 – MATO GROSSO.
Relator: Desembargador SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RECORRIDO: JOSÉ DE ALMEIDA BANDEIRA
FISCAL DA LEI: Procuradoria Regional Eleitoral
Decisão: ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO, para efeito de cassar o diploma e, consequentemente, o mandato de vereador de José de Almeida Bandeira, pelo município de Tangará da Serra/MT, referente às eleições de 2020.
Composição: Juízes-Membros Desembargador GILBERTO GIRALDELLI (Presidente), BRUNO D’OLIVEIRA MARQUES, FÁBIO HENRIQUE RODRIGUES DE MORAES FIORENZA, GILBERTO LOPES BUSSIKI, JACKSON FRANCISCO COLETA COUTINHO, SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS, Desembargador SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS, SEBASTIÃO MONTEIRO DA COSTA JÚNIOR e o Procurador Regional Eleitoral ERICH RAPHAEL MASSON.